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Abismo prateado: singela indiferença

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Quando saí da sessão de Abismo prateado no Festcine, novo filme de Karim Aïnouz (Madame Satã, Céu de Suely e Volto porque te amo), encontrei os bons amigos no hall do Goiânia Ouro. Praticamente todos estavam entusiasmados com as imagens e a atuação de Alessandra Negrini. Não tive o mesmo ânimo. Ao contrário, junto com Luiz Cam, desgostei apesar de gostar de outros filmes do diretor.

Quando um cineasta procura se distanciar do grande guarda-chuva do cinema convencional, de “estrutura clássica”, ele dá um salto para a pretensão legítima – geralmente vitoriosa quando o cineasta acerta no conteúdo e forma –  ou para o abismo iminente, lugar da indiferença singela – muitas vezes condescendente.

A personagem de Alessandra foi “abandonada” pelo marido, abandona o filho e vaga pela cidade esperando o momento do embarque para Porto Alegre. Vai em busca do amor perdido. Procura o reencontro “olhos nos olhos”, como na música de Chico Buarque, na qual o filme se inspirou.

Vários personagens “abandonados” vagam a esmo no círculo do cinema moderno [1941-1969]. Podemos ver em Antonioni, Bergman, Rohmer. E todos eles estão amparados nos procedimentos da linguagem cinematográfica moderna: câmera na mão, iluminação natural, os famosos planos-sequência e nas atribulações e dilemas próprios de personagens em crise existencial. Karim Aïnouz busca, aqui e ali, traços desses signos poéticos da linguagem. Mescla momentos realistas /naturalistas com certa dose de poesia: há silêncios, músicas ao longe, ruídos diversos e imagens “soltas” de Alessandra (Violeta).

No jogo entre as duas partes, o filme se perde. Usa elementos do cinema convencional e flerta com uma poesia de filiação moderna que tem dificuldade para se sustentar.  Explico: o ritmo lento das cenas, as incertezas e errâncias da personagem e seus olhares prenhes de vazio e angústia, esbarram nas sequências convencionais – na despedia do filho, na conversa com a taxista, no encontro com uma criança e seu pai e no exercício da profissão de dentista. A ousadia poética das imagens destoa da narrativa convencional.

Nem lá e nem cá, Abismo prateado repete, mais uma vez, uma antiga questão do cinema brasileiro: a fissura em  conquistar o grande público sem definir claramente os termos da narrativa. Obrigado ou não pelos produtores, filmes oscilam entre satisfazer o grande mercado e o cinema de arte instigante. O resultado, quase sempre, é precário.  Júlio Bressane, talento do cinema nacional, não cansa de repetir que essa não é uma boa “estratégia”.

Entre a cruz e a espada,  diluiu os procedimentos “sagrados” do moderno e não consegue “furar” seus momentos realistas. Distante da verve poética de Volto porque te amo e, ainda mais longe da carpintaria dramática de Madame Satã, esse novo filme de Karim fica no meio do caminho.

 

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